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sábado, 6 de junho de 2009



«Jesualdo Ferreira aparenta ser homem de rosto fechado. Pelo contrário. É homem de cara aberta, sentido de humor apurado e uma excelente memória. Em três épocas, o treinador do F. C. Porto tem obra feita, mas só há cerca de dois meses os adeptos acordaram para a realidade de um técnico com história rica, currículo feito e muitas qualidades. Acordaram tarde, porque como explicou, ao JN, a sua história foi sempre mal contada.

Já disse que "as medalhas atribuídas aos jogadores do F. C. Porto custam mais do que aos jogadores de outros clubes". Porquê?

Não sei. Nem sou uma pessoa de especulação barata. Como treinador do F. C. Porto, senti que, para ser premiado pelo que fazia, teria de dar sempre muito mais. Tudo o que fiz, foi sempre pouco para ser apreciado. Sempre fui avaliado de forma diferente daquela que fui no F. C. Porto. Sei que vão dizer 'lá está ele a dizer coisas que não são verdade, que depende da filosofia do clube'. Mas que fique claro: fui sempre independente nas minhas ideias e serei até morrer. Agora, o que não sou, enquanto treinador do F. C. Porto, é alguém que anda ao lado da carruagem. Em nenhum clube o farei, muito menos aqui. Mas, ao contrário de muitos clubes, a carruagem do F. C. Porto é só uma. No entanto, aqui ninguém é impedido de pensar e emitir opiniões. Tenho é uma perspectiva de trabalho colectivo que, provavelmente, outros não terão.

Afirmou que ia à sala de Imprensa fazer revelações. Quais eram?

Disse que 'até parecia que tinha chegado um treinador novo ao F. C. Porto, que a equipa tinha um treinador diferente há dois meses' e ninguém entendeu. Mas depois, afinal, era a mesma pessoa. Foi isso que senti. Dúvidas sobre toda a gente sempre haverá, o tratamento que é dado é que não é correcto. Por exemplo, a equipa do meu segundo ano venceu o campeonato com 20 pontos de avançado sobre o Sporting e 23 sobre o Benfica. Mas só se lembram do ano anterior, quando fomos campeões por um ponto. Este ano as coisas foram de tal forma limpas que deixam poucas discussões.

Acha que nunca se vai livrar da imagem de treinador medroso?

Vejam as estatísticas. Comigo, o F. C. Porto foi três vezes o melhor ataque e a melhor defesa do campeonato. Adriaanse era um treinador francamente ofensivo, mas o F. C. Porto fez menos golos em 34 jornadas do que as minhas três equipas em menos jornadas. Ninguém viu isso, não interessa. Até agora, algumas coisas menos interessantes da minha história estão escondidas, mas vão saltar quando for importante...

Sente-se arrependido por ter feito parte da carreira como adjunto?

Não é verdade. Fui adjunto durante quatro anos num grande clube [Benfica] e de um grande treinador, o Toni. Depois, fui adjunto um ano, do Artur Jorge, na selecção nacional. Em 35 anos de carreira, ter cinco anos como adjunto é... zero. Quando cheguei ao F. C. Porto, a minha imagem foi a de um homem que tinha estado num clube rival, que nunca tinha ganho nada, a história de alguém antipático e medroso. Seria sempre difícil treinar o F. C. Porto, porque tenho história. Não é difícil treinar o F. C. Porto, o Benfica e o Sporting quando não se tem história. A história pesa de uma forma decisiva nas etapas seguintes da nossa vida. Paguei uma factura alta por uma história difusa, mal colorida e mal contada. Mas não vou dizer que foi de propósito.

O treinador do F. C. Porto fez uma análise detalhada da época, do campeonato à Liga dos Campeões, abordando a questão da renovação de contrato. Contou os segredos do tetracampeonato e deixou pistas quanto à fórmula para vencer mais dois. Jesualdo Ferreira está imparável e quer o hexacampeonato.

Em que momento chegou à conclusão de que o tetracampeonato já não fugiria F. C. Porto?

Quando ganhámos na Madeira, ao Marítimo. Sabíamos que teríamos dois jogos muito complicados na parte final, com o Trofense e o Braga. Depois de sermos eliminados na Champions, numa quarta-feira, fomos a Coimbra ganhar um jogo difícil no fim-de-semana. Os jogadores responderam muito bem e aí ficou mais ou menos traçado o destino do campeonato.

Este plantel foi o mais equilibrado que teve?

Foi completamente diferente, porque grande parte dos jogadores que entrou não tinha uma interiorização do F. C. Porto, mas tinha ambição de ganhar. No entanto, não estou a dizer que os outros não a tinham. A dada altura, foi perceptível que o F. C. Porto jogava sem alguns elementos fundamentais e vencia na mesma. É preciso perceber que, neste terceiro ano, jogaram sempre quatro 'tetras' e seis jogadores que nunca tinham ganho o campeonato. Mas estar habituado a ser campeão é muito importante numa equipa que pretende continuar a ganhar. Helton, Bruno Alves, Lucho, Raul Meireles e Lisandro foram os interruptores. Chamava-lhes, muitas vezes, os homens que 'davam à luz'. Eles suportavam muito daquilo que a equipa poderia produzir. Falou-se dos condicionamentos do Lisandro, que o Lucho não era o mesmo, a defesa tinha dificuldades, mas sempre disse que, para se chegar a uma equipa mais séria, teríamos de passar por processo de desenvolvimento.

Mas houve uma altura complicada, quando o F. C. Porto perdeu com a Naval e o Leixões...

Houve várias. Perdemos com o Kiev e a derrota não foi justa. Não jogámos bem contra o Leixões e, provavelmente, foi o jogo que mais merecemos perder. Mas acho que a derrota com a Naval foi injusta. A partir do dia 1 de Novembro, o F. C. Porto não mais perdeu. A sequência de 23 jogos sem derrotas é notável, sob o ponto de vista daquilo que é o desmanchar de uma frustração. Um grande resposta de toda a equipa. Quando encontrámos, no início segunda volta, o equilíbrio - com o crescimento do Sapunaru, mas, fundamentalmente, com entrada do Cissokho -, fomos os melhores até ao final do campeonato. O Cissokho deu equilíbrio e profundidade nas laterais, o que o F. C. Porto não teve durante muito tempo e a equipa passou a ser mais larga e profunda.

A questão da renovação de contrato nunca o atormentou?

Não, estive sempre tranquilo. Quando acordei a renovação com o presidente, achámos por bem mantê-la em segredo, porque ainda não tínhamos ganho o campeonato nem a Taça de Portugal. Queríamos que a equipa continuasse tranquila.

Recebeu convites de outros clubes?

Quem ganha recebe convites. Recebi alguns convites interessantes do ponto de vista financeiro. Mas estou muito bem no F. C. Porto, gosto de estar nesta carruagem. Não os aceitei porque não eram desafios aliciantes. Ia ganhar muito dinheiro, mas não ia ter tempo para o gastar e a minha qualidade de vida não seria boa.

O penta é o maior desafio da sua carreira?

Não, não é. O maior desafio da minha carreira foi ganhar o primeiro campeonato, o segundo e o terceiro. Esses é que eram grandes desafios. Não quer dizer que o próximo seja fácil, será muito difícil. No F. C. Porto diz-se que quando termina um campeonato, o próximo é complicado. É a questão do alerta. Aqui, ninguém pode estar distraído. É difícil o F. C. Porto distrair-se. Caso contrário, o F. C. Porto perde.

Ficou surpreendido por ter renovado por duas épocas e não por uma como tinha acontecido nas épocas anteriores?

Não verdadeiramente. Sei o que está na cabeça do presidente, mas não serei eu a revelá-lo, como é óbvio.

O que se pode esperar do F. C. Porto nessas duas épocas?

Ganhar dois campeonatos, passar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, ganhar a Taça de Portugal e a Taça da Liga. São sempre esses os objectivos do F. C. Porto. Quem entrar aqui nos próximos 30 anos terá sempre esse bilhete à entrada. Também temos como objectivo proporcionar bons jogos, para termos o estádio cheio. Há outro objectivo no bilhete, que é o de potenciar os jogadores do F. C. Porto para o clube estar sempre pujante do ponto de vista económico. É preciso ter capacidade e consciência de que os jogadores do F. C. Porto entram sem ganhar nada e têm de sair a ganhar muito, eles e o clube.

Essa é uma das suas especialidades, potenciar jogadores...

Até se diz que 'o fulano ajuda a crescer os jogadores mais novos'. Isso é tanga. Quantos treinadores é que treinam com mais novos e não conseguem que eles evoluam. Quantos? A questão tem a ver com a formação do treinador. Eu fui capaz de fazer uma boa formação profissional. Isso ajuda-me a ganhar o que ganhei no F. C. Porto e em outros clubes e a construir uma história de 35 anos. Por outro lado, durante seis anos trabalhei na formação e isso foi fundamental na minha carreira para poder transmitir aquilo que pretendia.

A eliminação da Liga dos Campeões, diante do Manchester United, ainda pesa?

Não se trata de um sentimento de frustração. Mas temos a sensação de que poderíamos ultrapassar a eliminatória. Não é fácil fazer aquilo que conseguimos em Inglaterra. Na altura, disse aos jogadores que tínhamos de ser tacticamente inconscientes. E fomos. O problema é que no Dragão não fomos tão inconscientes como isso e estávamos já condicionados pela euforia que se instalou à volta da equipa, por causa do resultado da primeira mão. Os jogadores entraram quase com a obrigação de ganharem a eliminatória. A equipa levava uma grande carga em cima e faltou-nos alguma maturidade.

O facto de não ter estado no banco, na sequência do castigo motivado por um gesto em Madrid, pesou muito?

Talvez tenha pesado mais a forma como tudo foi feito para me impedir de estar no banco. O jogo foi preparado como todos os outros. As indicações foram dadas no estádio, estava num local longe, é verdade, mas com comunicação directa para o banco. Não sei se influenciou mais ou menos. O que influenciou, de facto, foi a forma como a UEFA me castigou, retirando-me a possibilidade de estar nessa partida. No fim, com alguma tristeza, cheguei à conclusão que tinha cometido um crime...

Mas parece-lhe que esse castigo teve alguma relação com facto de o F. C. Porto, na pré-temporada, ter sido, numa primeira fase, afastado da Liga dos Campeões?

Não faço ligações desse tipo. O que sei é que o F. C. Porto, na temporada 2008/09, em termos nacionais e internacionais, esteve debaixo de fogo, mas isso não impediu a equipa de chegar onde chegou, por mérito nosso e não, seguramente, por simpatia de quem na UEFA interpretou as questões todas que se passaram. De qualquer forma, o F. C. Porto ganhou em toda a frente, inclusivamente conseguindo passar aos oitavos-de-final depois de estar morto. Sob o ponto de vista jurídico ganhou o que tinha de ganhar. Hoje, está tudo limpo. A única coisa frustrante foi mesmo o castigo que me foi aplicado.

Quem é o melhor treinador do Mundo?

É o José Mourinho, porque ganha mais vezes.

E o melhor jogador?

Cristiano Ronaldo. Pelo menos até haver nova votação. Mas ainda não houve alterações significativas para alterar a minha ideia.

Quem foi o melhor jogador da Liga?

O Bruno Alves foi o mais sólido. Não gostaria de perdê-lo, mas, se for bom para o F. C. Porto e para ele, fico feliz. Ele merece. É um campeão, não tem limites nas suas ambições e é um perfeccionista. Tinha a história da violência, foi preciso apagá-la, mas bastava um pinguinho de chuva para que essa história fosse reactivada. Foi preciso que alguém, com elementos objectivos, o defendesse permanentemente dentro do F. C. Porto. É o melhor central do Mundo.

O que é preciso fazer para o futebol português deixar de ser uma desbunda?

Organizá-lo e fazer cumprir as regras. Atribuir responsabilidades a quem as tem. O futebol português dificilmente se vai organizar, porque não querem e não sabem.

A profissionalização dos árbitros é o caminho certo?

Ninguém sabe. É preciso ensaiar para ver. Nem os árbitros têm uma opinião segura...
É a favor que sejam árbitros estrangeiros a apitar os clássicos?
Não. Seria um atestado de incompetência aos nossos árbitros. »

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