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domingo, 24 de janeiro de 2010


Enquanto alguns delíram, babam-se todos e só não digo que têm orgasmos, porque eles não são disso, eis um artigo que merece ser lido e só não digo meditado, porque neste país cada vez mais pobre, em todos os sentidos, para atacar o F.C.Porto e o seu líder vale tudo...

«Escutas a Pinto da Costa

As escutas telefónicas transformaram-se repentinamente na grande notícia que com regularidade entra na Comunicação Social. Agora são as conversas gravadas e privadas de Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto. Até há pouco tempo eram as conversas privadas telefónicas do primeiro-ministro José Sócrates com Armando Vara. Antes tinham sido as da Casa Pia e outras que não recordo.

Eu não gosto de futebol, não tenho nenhuma simpatia por presidentes de nenhum clube e mudo de sala quando lá em casa os homens da família se sentam à frente da televisão a olhar para aqueles homens a correr atrás de uma bola. No fim dos jogos, quando então discutem e teorizam o que viram durante um tempo infinito eu mudo-me para o outro lado da casa.

Mas daí a verificar que circulam na net as conversas privadas do senhor Pinto da Costa com não sei bem quem, choca-me profundamente e não pode deixar de colocar sérias questões aos cidadãos deste país que quer ser um Estado de Direito. O direito à privacidade é um dos direitos fundamentais dos cidadãos. A certeza de que a nossa correspondência não é violada e divulgada, o direito a que os telefones e os telefonemas não são escutados e divulgados, faz certamente parte da nossa vivência em democracia e em sociedade. Mesmo em família. Ensina-se às crianças que não se lê a correspondência dos outros ou os SMS, ou os diários dos irmãos, que não se ouvem conversas atrás da porta e que não se deve espreitar pelos buracos das fechaduras. Ou serão regras antiquadas que não fazem sentido num mundo mediático e transformado num gigante Big Brother?

Talvez por ter vivido em regime de ditadura no tempo de Salazar e de Marcelo Caetano e ter lutado com grandes sacrifícios pessoais pela liberdade - seja particularmente sensível a esta questão das escutas. É bom recordar que uma das formas mais brutais de repressão na ditadura era precisamente as escutas. Os "bufos" serviam para escutar e transmitir conversas ouvidas. Toda a minha geração se lembra dos "bufos" sentados numa mesa dos cafés dos associativos, horas a fio a lerem o mesmo jornal, para poderem ouvir conversas, as nossas conversas. Recentemente, nas obras do prédio onde esteve a PIDE em Lisboa, na António Maria Cardoso, contou-me um dos engenheiros que andava na obra, que encontraram um fio de telefone que certamente servia para espiar alguém. Seguiram o fio e ele ia ter ao Governo Civil! Alguém escutava, pelo sim pelo não, o que lá se passava.

Presentemente não temos pides, nem "bufos" oficiais, mas podem os tribunais julgar, decidir com base nas leis da República que os cidadãos são em simultâneo ou a posteriori julgados por partes dos processos publicados e comentados na net e na Comunicação Social. Pode o cidadão ser eventualmente absolvido que continua a ser julgado e condenado por quem ouve ou lê bocados do processo de que foi absolvido, ou mesmo condenado.

Vinha eu de viagem e num debate numa estação de rádio comentavam-se as escutas que parece constarem do processo. Comentava-se a linguagem, o tom, o conteúdo, fazia-se graça, diziam-se piadas, julgava-se e condenava-se. Senti-me numa espécie de arena romana, num julgamento público em que vale dizer tudo para atirar achas para a fogueira onde alguém arde sem defesa.

Eu não sei se alguém comprou árbitros, ou vendeu favores. Sei apenas que todo este tratamento de pessoas, sejam quem forem, tenham feito o que quer que seja, nada tem a ver com um Estado de Direito democrático com regras, leis e direitos.

Quando há tempos vi debates seguidos nos jornais e televisões exigindo a divulgação pública das conversas do primeiro-ministro com Armando Vara não parei de me interrogar qual o verdadeiro objectivo dessa exigência. Para quê? Para que cada português além de médico seja um juiz? Cada português julgue e condene pessoas? Por entretenimento e diversão com as conversas privadas das figuras públicas? E quando isso se tornar arma de vingança pessoal nos julgamentos que se percam… Perdi o julgamento mas meto as escutas no jornal da terra.

As escutas são em muitos casos importante forma de prova de crimes terríveis. Mas daí a qualquer polícia, juiz, funcionário, advogado, ou pessoas da limpeza poder publicar as escutas, ou vender as escutas, vai um passo dramático.

E quando passarmos das escutas telefónicas para as escutas de conversas como já é tecnicamente possível e cada um de nós se puser a ouvir as conversas dos outros, transformando o país naquele mundo que Orwel tão lucidamente descreveu e adivinhou?»

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