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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016


Porque não há nada a acrescentar ao que fui dizendo sobre este momento do F.C.Porto e dizer mais alguma coisa é repetir-me e chover no molhado; porque estamos numa fase de casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão e é preciso alguma serenidade, arrefecer os ânimos; também porque se bem conheço quem o dirige o clube/SAD, neste momento, tal como em Janeiro de 2012 - recorde-se que nessa altura estávamos também numa fase muito complicada, Vítor Pereira era contestadíssimo...-, estamos a tentar criar condições para que as coisas entrem nos eixos - o momento é mais difícil, as coisas, para além da equipa e treinador, estão piores, mas como a fé move montanhas...-, ainda seja possível salvar uma época que muitos já dão como completamente perdida; o post de hoje e porque faz 31 anos que morreu, é sobre José Maria Pedroto... deixo-vos O meu amigo José Pedroto, artigo do Professor Manuel Sérgio no panfleto da queimada:

«Desviando de mim o olhar e encolhendo os ombros, recordo bem o que ele me disse, naquela tarde fosca de inverno: “O meu Amigo ainda não me explicou bem porque o treino, no futebol é (e mirou-me atentamente, a sorrir) uma porcaria”. Eu estilhacei a modorra da atmosfera, com a atrapalhação: “Ó Sr. Pedroto, eu nem aos meus alunos ensino treino. Muito menos ao Sr. Pedroto, que é um Mestre. O que eu venho manifestando, quer nos meus livros, quer nas minhas aulas, é que o treino que eu vejo, lá no meu Clube, parece-me um disparate”. Ele atalhou, de imediato, continuando a sorrir: “Disparate e porcaria são a mesma coisa. Vê como eu tinha razão?”. Se não laboro em erro, corria mês de Novembro de 1981. A sala semi-obscura do hotel, onde o F.C.Porto estagiava, deixava, no entanto, entrever a riqueza dos móveis arte-nova.

Uma réstea de luz boleava os contornos dos mármores. E José Maria Pedroto insistiu: “Mas diga-me lá, porque discorda do treino que vê, no Restelo?”. E eu, de pronto: “Porque há preparação física a mais e futebol a menos”. E ele, recostando-se na cadeira: “Já estou a ver que o professor antipatiza com o físico. Diz que não há educação física. Agora, diz.me que há preparação física a mais. A alta competição é possível, sem um rigoroso treino físico, sem uma boa preparação física?”. Tentei concluir a minha ideia: “Em Espinho, ouviu-me dizer que a expressão “educação física” aparece, pela vez primeira, na História, no século XVIII. Portanto, na época áurea do racionalismo. Hoje, quero dizer-lhe que, para jogar futebol, o treino deve ser futebol. Como, para tocar piano, o treino deve ser piano, piano e mais piano”. Mas hesitei, num murmúrio: “Pode ser que esteja errado, mas é assim que eu penso”. E aditei: “Já falei do assunto ao Sr. Fernando Vaz e ele concordou comigo”. Fernando Vaz, treinador e jornalista e com uma cultura literária bem acima da que se topa, nos treinadores de futebol que eu conheço, procurava-me principalmente para falar das novidades literárias. Mas, de facto, quando lhe dava a conhecer o que procurava ensinar, no ISEF de Lisboa, ele concordava comigo, sempre pronto, no entanto, a fugir do tema e a regressar ao José Cardoso Pires, ao Augusto Abelaira e a outros de igual valia.

Desde Maio de 1979, quando me escutou numa palestra intitulada: “O Racionalismo na Medicina e na Educação Física”, num congresso de Medicina Desportiva, em Espinho, o Sr. José Maria Pedroto surpreendia-me, com uma torrente ininterrupta de questões. Sabia que não sabia e não tinha qualquer receio de confessá-lo. Era humilde, generoso e lúcido, como todos os que vivem em permanente deslumbramento pelo saber. Digamos mesmo: era um anti-dogmático. De facto, todo o dogmatismo leva à esterilidade do pensamento e à esclerose do poder criador. Uma verdade indiscutível opõe-se frontalmente à circulação das ideias. E José Maria Pedroto começara a viver, no tempo em que o conheci, de ideias. Nesses anos já distantes, três treinadores de futebol portugueses não temiam cotejo com os seus colegas estrangeiros: Fernando Vaz, José Maria Pedroto e Mário Wilson. Fernando Vaz procurava reproduzir, à sua maneira, o seu padrinho Cândido de Oliveira. Era, portanto, treinador e jornalista. Amante da boa leitura e de um futebol, onde a competição se exprimisse artisticamente. O Mário Wilson foi também jogador e adjunto de Cândido de Oliveira. Era naturalmente insinuante, fraterno, irónico, extrovertido e dava particular atenção às relações com os jogadores.

José Maria Pedroto era um homem racional, frio, reservado, metódico e extraordinariamente organizado. No entanto, o que eu distinguiria mais no Pedroto que eu conheci, para além da sua fidelidade aos valores da família e a sua amizade fraterna por Pinto da Costa, seria um homem de diálogo e um temperamento recetivo à novidade. Mais um exemplo da sua curiosidade intelectual: sabendo que o David Monge da Silva era, no seu tempo, o grande especialista português, em matéria de treino desportivo, recomendava ao professor João Mota, seu querido e fiel Amigo que, nas viagens a Lisboa, se encontrasse com o Dr. Monge da Silva para colher nele as “últimas” sobre o treino.

Conservo, em minha casa, uma carta de José Maria Pedroto onde ele distingue a minha “produção intelectual assinalável” e a simpatia que manifesta pelos meus artigos na Imprensa. Mas o que eu conservo, acima de tudo, é que o desejo de vitória e a disciplina de uma aprendizagem contínua se fizeram cultura, no F.C.Porto, ou seja, modo-de-ser e de estar de todos os que ingressavam no seu departamento de futebol. Por generosidade do Sr. José Maria Pedroto (e, mais tarde, do Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa) pude assistir e sentir a transformação que se operou, no seio deste Clube. Einstein já chamou a atenção que a génese dos êxitos, nas ciências, não reside, unica e exclusivamente, numa rigorosa prática científica, ou até na lógica e na epistemologia, mas também na psicologia, na sociologia, na antropologia cultural. Hilton Japiassu, no seu livro Questões Epistemológicas (editado pela Imago Editora, Lda., Rio de Janeiro) escreve, sobre este assunto: “Portanto, contrariamente aos cientistas que só enfatizam os aspectos rigorosos , lógicos e objetivos do real, Einstein nos faz perceber o reverso dessa imagem da ciência, com tudo o que isso comporta de emoções, de imaginação, de convicções filosóficas e até mesmo de paixão mística” (p. 24). Sem descer a pormenores que desconheço (fui um simples e ocasional espectador) o que Einstein teorizou materializou-se também no F.C.Porto, há um bom par de anos. Relembrar, por isso, José Maria Pedroto não é só falar de tática ou de técnica do futebol, mas de tudo aquilo que faz do “desporto-rei” um permanente espaço de transcendência ou de excelência. Faleceu, há 31 anos, José Maria Pedroto! Mas o seu espírito de rigor e de pioneirismo podemos continuar a fruí-lo, se acaro escutarmos Jorge Nuno Pinto da Costa e os jogadores “portistas” daqueles anos já distantes e... o Artur Jorge! Homens, como José Maria Pedroto, permanecem necessariamente, para além da morte.

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