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terça-feira, 12 de agosto de 2008





Ao ler na Revista Dragões, do mês de Julho, as " Estórias da nossa História " da autoria de Luís César, resolvi - depois de obter a sua autorização - publicar a " historieta " - é assim que lhe chama o autor -, para mostrar a evolução dos palcos, onde se tem construído o riquíssimo historial do Grande F.C.Porto.

O meu obrigado ao Luís César pela prosa e por ter permitido a sua publicação, assim como à Revista Dragões.


Do Campo da Rainha...ao Estádio do Dragão.


Pensei chamar à “historieta” de hoje “Da Rua Antero de Quental…à Alameda das Antas” ou, então, “Do Ovo de Codorniz…ao Ovo de Avestruz “. Um, o primeiro, certamente mais apelativo para uma prova de pedestrianismo, situaria “ponto-a-ponto” a localização do primeiro campo de futebol do FC Porto (Campo da Rainha) e do actual (Estádio do Dragão). O outro, talvez mais consentâneo com um tratado de ornitologia, traduziria a diferença entre um campinho e um grande estádio, embora com um denominador comum – palcos de sensações imperecíveis!
Não me decidi, como se verifica, por nenhum destes títulos. Fui directo ao assunto e, tratando-se de evocar as “salas de visitas” do nosso clube, optei pelos seus verdadeiros nomes de baptismo.
Compreenderá, quem tiver a pachorra de me ler, que pelo espaço (que não abunda) deixamos para capítulo único o Estádio das Antas e, por ser uma obra recente, emblemática, que todos conhecem (velhos e novos, adultos e crianças, famílias inteiras da cor ou da concorrência seguiram, de água na boca, passo a passo, o seu nascimento), a evocação do Estádio do Dragão far-se-á apenas aqui, como ponto de chegada, de um longo calcorrear por entre poeira e relva.
É nessa obra magnífica, bela, simultaneamente doce e arrebatadora, projectada pelo Arquitecto Manuel Salgado que irá desaguar o caudal evocativo que tendo a sua nascente no Campo da Rainha alimentou dramas e glorias, desilusões e sonhos, assobios e palmas, no Campo da Constituição (futuro Parque Vitalis) e no Estádio do FC Porto (Estádio das Antas, comos todos gostávamos de lhe chamar). Evocar, pois o passado (Campos da Rainha e da Constituição) recordando-os aos presentes, é a nossa proposta de hoje.

Campo da Rainha

O “campinho caixa de fósforos” da Rua da Rainha, começou por ser “o grande palco das emoções” do Grupo do Destino fundado por José Monteiro da Costa, um grande folião, carregado de humor e boa disposição, virado para as coisas boas da vida, tudo bons “garfos” e bons “copos”, amantes indefectíveis de valentes patuscadas, mas que de futebol apenas sabiam que se jogava com uma coisinha redondinha chamada bola, que tinha de ser maltratada mesmo que à biqueirada porque a finalidade era o “goal” gritado apenas quando ela, rasteirinha ou pelo ar, transpunha uma linha traçada entre dois paus ao alto a que, pomposamente, se chamava baliza !
Naquele “estúdio T0” (50x30 mts) deram os rapazes do Grupo do Destino (quase todos equipados à arsenal ) o primeiro “show” de apresentação e demonstração do “association” frente ao Boavista Footballers, formado por empregados da já extinta Fábrica Graham.
A história da construção do Campo da Rainha é curiosa e vale a pena ser contada porque, já com novo inquilino (FC Porto), passou de “estúdio” a “duplex”.
Na (então) Rua da Rainha (com a implementação da República passou a chamar-se Rua Antero de Quental ) existiam uns terrenos alugados à Companhia Hortícola Portuense para viveiro de plantas.
José Monteiro da Costa, homem sagaz, de olho vivo e que vivia nas traseiras daqueles terrenos, sabia existir um talhão deixado “ao Deus dará” que muito jeito faria ao seu Grupo Destino se lhe fosse cedido. Bem vistas as coisas, dava para construir um “parque de jogos” e ainda se podia aproveitar um “casinhoto”, depois de restaurado, para “pomposos” balneários.
Se bem pensou, melhor o fez. Apresentou a petição e, na hora, recebeu luz verde. Estava o problema resolvido.
A exiguidade do espaço, como já dissemos, não constituía problema. Era tudo malta fixe e aqueles 50x30 mts eram medida justa para matar o vício do chuto na bola.
Porém, com a extinção do Grupo Destino e o aparecimento, em seu lugar, do ambicioso Futebol Club do Porto já aquele espaço para pouco servia.
Acontece, então, um lance de pura sorte. A Companhia Hortícola Portuense transferiu os seus viveiros para outras paragens e ficou ali, à mão de semear, um euro milhões com “jackpot” – um espaço enorme, sem utilidade imediata.
Mais uma vez José Monteiro da Costa entrou em acção conseguindo que todo o terreno fosse alugado ao FC Porto por 1.200 reis ao ano e que logo se fizessem obras.
Pergunta-se: como era a fisionomia deste primeiro complexo desportivo dos azuis e brancos ?
A resposta é-nos dada numa descrição de Luis Canto Moniz (criador em 1923-1924 da Escola de Natação do FC Porto) publicado num “Boletim” do clube e feita nestes termos: “Ao lado direito da entrada ficava um amplo vestiário (cheio de ar e luz) e dois armários numerados e destinados aos jogadores.
Pago o seu aluguer (era de 1$20 anuais) os arrendatários logo trataram de os equipar com todos os artigos necessários a uma boa “toilette” não esquecendo…cruzetas para pendurar a roupa e até um banquinho e tapetes para os pés.
A seguir a este vestiário existia um balneário com três chuveiros e dois grandes lavatórios em pedra mármore.”
No lado esquerdo ficava a divisão dos “comes” e “bebes” – “um bufete, estilo bar, com balcão e diversas mesas e cadeiras. Por baixo do vestiário e ao lado esquerdo do bufete havia dependências para arrecadações.”
E, quanto a estruturas de apoio , era tudo. A descrição da jóia da coroa – os recintos de jogo – vem logo de seguida.
“Em frente das dependências para arrecadações um amplo terreno cercado de arbustos e convenientemente ensaibrado destinava-se aos jogos de “cricket” modalidade muito em voga nesse tempo.
Descendo para o lado esquerdo, aproveitou-se outro terreno com grandes árvores e, na parte sul, construiu-se um ginásio onde havia paralelas, barras fixas, pesos, halteres, traves fixas, argolas e trapézios.”
Referindo-se, em detalhe, ao espaço para a pratica do futebol diz-nos, Canto Moniz, que: “onde era o campo do extinto Grupo Destino existia um esplêndido “court de ténis e ainda, paralelo a este, um relvado para atletismo com caixa de saltos ( em comprimento e altura), lançamento de peso, etc, sendo os postes de saltos em altura e à vara, em ferro e fixos ao solo.”
Ao sul ficava o terreno destinado à prática de futebol (relvado). Monteiro da Costa vira em Inglaterra os estádios com relva e não lhe passava pela cabeça voltar a jogar em pelados.
“Um nível superior aos rectângulos de jogo (medidas máximas) e no máximo do comprimento, dos dois lados, uma fila de bancos assentos em tijolos pintados de branco (era a bancada !) que acomodava cerca de 500 a 600 pessoas e, do lado nascente existia espaço para a construção de uma ampla bancada que não se fez por não o justificar a concorrência do publico.
Ao centro do terreno, porem, do lado poente, erguia-se uma tribuna majestosa destinada aos convidados de honra.”
É que de tudo quanto era desporto na época (desde a luta de tracção à corda até habilidades de bicicletas e de…jericos ! )se realizaram ali festivais “abrilhantados pela presença das mais distintas famílias da Cidade Invicta.”
O campo da Rainha, assim vestido com novas roupagens, viria a ficar “ad eternum” ligado à história do Futebol Clube do Porto e do próprio futebol português – foi nele que teve lugar o primeiro encontro internacional de futebol disputado em Portugal.
A 15 de Dezembro de 1907 o Futebol Clube do Porto com Dumont Villares, Brugmann, Romualdo Torres, Ernesto Sá, Soares (guarda-redes), António Pinheiro, Raws, Antunes Lemos, John Jones, Catullo Gadda e Edward Almeida defrontou os espanhóis do Real Fortuna de Vigo. Resultado final ? não há registo que se consiga encontrar na poeira dos arquivos…

Campo da Constituição

À medida que o Futebol Clube do Porto crescia (social e desportivamente), cada vez mais acanhadas se tornavam as instalações da Rua da Rainha rompendo, amiúde, pelas costuras.
Urgia, pois, encontrar (outro) terreno para mais funcionais e amplas instalações.
Também, desta vez, o FC Porto e a sorte andaram de braço dado. Não muito longe, a um saltinho de pardal, na Rua da Constituição, havia um terreno (desocupado) que dava bem para o que se pretendia – construir um campo de “top” e, de “top” também, bons “courts” de ténis, modalidade de elite da época que consagrou Fernando Vale como o melhor tenista do norte do país.
Estávamos em 1912 e a “era”da Rainha estava a dar os últimos suspiros.
A Direcção do Clube reuniu a 29 de Julho e, da reunião, saiu fumo branco – alugue-se o terreno !
Ajustada a renda nos 350.00/ano (mais tostão menos tostão eram 30.00/mês ) o FC Porto reuniu os “tarecos” e mudou-se para um “condomínio de luxo”.
Ora, como quem quer luxos paga-os, o valor do aluguer não estabilizou por muito tempo. Seis nãos volvidos (1918) houve um aumento de renda e um novo contrato ( assinado a 19 de Agosto de 1919) de longa duração – o aluguer passaria a ser por 10 anos com os primeiros cinco a valerem 400.00/ano e os cinco finais (para fazer face à inflação ) a 450.00/ano.
Como estas verbas já eram consideradas, na época, “grossa maquia” havia que rentabilizar o espaço. Dado que o Salgueiros, Vilanovense e Sporting Espinho, não tinham campo próprio o ideal era alugar-lhes o espaço, e indicarem o Campo da Constituição para os jogos em casa.
Aceite a sugestão elaborou-se uma tabela de aluguer mediante a qual “ os utentes ocasionais” do Campo da Constituição ficavam obrigados a pagar uma taxa fixa de
20.00 (por um dia ou grande parte dele de utilização) ou de 30.00 (por dois dias, ou grande parte deles) .
Além deste preço base (era o mínimo) o Futebol Clube do Porto cobrava uma percentagem sobre a receita bruta de qualquer actividade realizada com entradas pagas.
Os sócios, esses, tinham entrada livre no recinto e o “imposto de selo que correspondesse às suas entradas deveria ser abonado pelo concessionário.”
Falta dizer que o empregado permanente recebia o ordenado mensal de …3$60 !
Do nada nasceu, assim, um recinto amplo, arejado e funcional. Um verdadeiro “ex-libris” da época considerado o melhor campo do Norte embora, a princípio, despido de bancadas. Bilhetes…só de peão !
Esta comodidade só seria realidade uns dez anos depois quando o clube recebeu uma indemnização milionária – vinte mil escudos (20 contos!).
Foi esta a verba de que os proprietários da Quinta das Oliveiras tiveram de abrir mão por, na hora de porem o “azul no branco”, darem o dito por não dito e quebrado certos compromissos assumidos com o FC Porto quando o clube decidira comprar a Quinta para ampliar as instalações. Durante quase meio século o Campo da Constituição foi palco de encontros inolvidáveis. Por lá passaram o Celta de Vigo, o Real Madrid, o Múrcia, o Corunha, o Vasos (entre outros) sempre com muitas histórias para contar.
Em 14 de Setembro de 1933 lançava-se a primeira pedra (oratória) para a construção de um verdadeiro Estádio (coisa para levar umas 50 mil pessoas !). A 19 de Agosto de 1937 em Assembleia Geral discutia-se o plano financeiro para o arranque da obra. Em 8 de Fevereiro de 1948 assinava-se a escritura da compra de terrenos (uma área de 48.000 metros quadrados pertencentes à antiga Quinta do Salgueiral passou para o FC Porto a troco de 1400 contos). Finalmente, a 28 de Maio de 1952 inaugurava-se o Estádio das Antas.
A Constituição assistia a tudo altaneira e orgulhosa. Recusava-se a morrer e o FC Porto nunca a desligou da máquina, não abdicando de um espaço de tão grande nobreza.
Anos a fio foi “berço dos mais jovens talentos futebolísticos “ e assistiu, no seu primitivo ringue de cimento a grandes duelo de hóquei em patins, voleibol, andebol e basquetebol, tudo modalidades da casa sempre cheia.
Uma nova Constituição está a chegar. Aconselhamos o leitor a (re)ler na edição de Dezembro de 2007 da nossa Dragões como ela vai ser e como ela vai ficar (uma obra emblemática do Projecto Visão 611) orgulhosa do seu passado e que agora retomará, na plenitude, o seu papel primordial de tantos anos – servir o “futebol de formação e as escolas de futebol Dragon Force, ou seja, servir a juventude.
Seguindo a máxima de que na vida “nada se perde, tudo se transforma” a velhinha Constituição de piso poeirento e bancadas de madeira, vai transformar-se numa moderna Constituição em sintonia com a renovação generalizada do património FC Porto, agradecem os atletas, os técnicos, os dirigentes e sobretudo a massa associativa.

Luís César

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